quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A PARÁBOLA DO RIO SAGRADO



Não resisti à tentação. Como fui dar aula na Comunidade Vale do Sol, às margens do Rio Sagrado, aproveito para contar o que escrevi, em cima de um fato real, lá acontecido há muitos anos que tornei conhecido pelo nome de Parábola do Rio Sagrado e que agora espalho para vocês. O tom bíblico faz parte. Qualquer semelhança com pessoas reais que estão por aí não é mera coincidência. Foi assim:

"Eis que estavam às margens do Rio Sagrado um jovem Manauara e seus amigos, numa tarde de verão, prontos para entrarem na água, quando acercou-se deles


um ribeirinho que os alertou da seguinte forma:
-Meus amigos, está chovendo na Serra e, daqui a pouco, chegará uma Cabeça de Água muito forte e é mister que vocês não estejam dentro dágua!
Mas o jovem Manauara, os sobrolhos encrespando, responde ao gentil ribeirinho com torvo acento (emprestado de Ijucapirama, do Gonçalves Dias):
- Vocês, ribeirinhos de riozinhos, regatinhos e fios d'água, sois imbeles e fracos, nós outros, corajosos manauras, que nos criamos às margens do Amazonas, o Maior Rio do Mundo, nem Pororoca tememos!
- Já ouvi falar do Amazonas, o Maior Rio do Mundo, respondeu humildemente o ribeirinho, e sei que suas águas aumentam devagar e são massa de medo de tão grande. O Rio Sagrado é pequeno e justamente por isso e por estar aos pés da Serra do Mar, quando chove nas cabeceiras vem uma cabeça de água que arrasta tudo o que tem pela frente e não foram poucos os que se arrependeram de não terem saído da água.
- Pode ir que o negócio aqui conosco está garantido, encerrou o assunto o orgulhoso amazonense.
O ribeirinho retirou-se, cabisbaixo, vendo que nada mais poderia fazer. Ato seguinte, o manaura entrou na água, mas, seus amigos, desconfiados, ficaram à margem, com medo. Instantes depois as águas começaram, rapidamente, a crescer, o manaura pulou sobre uma pedra no meio do rio. Em seguida as águas já lhe iam pelos joelhos e o pavor tomou conta. Esquecera seu olhar altivo e gritava por socorro a plenos pulmões. Como o rio continuava a subir rapidamente, num pulo olímpico agarrou-se num galho que se curvou dentro dágua com o peso e foi descendo junto com o personagem que ora estava mergulhando, ora estava acima dágua, agarrado ao galho.
Lá do alto, o Senhor das Esferas contemplava tristemente sua criatura, meneando suas longas madeixas. Porém, num ato de compaixão, permitiu que o ribeirinho escutasse os gritos desesperados do afogando.
Em segundos o ribeirinho já estava jogando uma forte corda que imediatamente foi agarrada com unhas e dentes.Qual peixe sendo puxado das profundezas assim chegou ao barranco o manauara, tendo engolido alguns galões de água e arrobas de areia trazidas pela sua boca que viera aberta, traçando forte sulco no fundo do rio. Os amigos do manaura eram um bloco só, agarrados, mudos, apavorados, inclinados para lá e para cá, absorvendo a cena com esbugalhados olhos.
O ribeirinho estava tranquilo, fizera a sua parte. Largou o manaura deitado, devolvendo a água bebida e desmaiado ficou por um tempo que não se pode medir pela eternidade dos quinze minutos.
Ainda zonzo e vomitando o que restava, sem forças para levantar, sentou-se no chão com as pernas abertas, exclamando junto com um sonoro arroto:
- A água do Amazonas é bem mais doce!!
Moral da história: Pruma pretensão exacerbada, não há lição que adiante!

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